sexta-feira, 15 de maio de 2009

DEMÊNCIA: COMO DIAGNOSTICAR?

Entrevistado: DR. PAULO CARAMELLI

Cada vez mais pacientes com suspeita de demência são atendidos em ambulatórios ou consultórios de médicos que lidam com clientela idosa. O dr. Paulo Caramelli, neurologista, professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e professor do curso de pós-graduação em Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no intuito de auxiliar os médicos no correto diagnóstico, publicou um artigo na Revista Brasileira de Psiquiatria junto com sua colega dra. Maira Tonidandel Barbosa sob o título “Como diagnosticar as quatro causas mais freqüentes de demência?” (Rev Bras Psiquiatr 2002;24 Supl I: 7-10) Como a prevalência de demência duplica a cada 5 anos após os 60 anos de idade, é de suma importância a todo o médico ter o conhecimento necessário para o diagnóstico desses quadros. O dr. Paulo Caramelli, de forma muito didática, nesta entrevista que gentilmente concedeu ao site Comportamento Humano (CH) traça um roteiro que facilita o trabalho de seus colegas no dia-a-dia.

P – Como podemos definir a demência?
DR. PAULO CARAMELLI – Como uma síndrome caracterizada pelo declínio de memória associado a déficit de pelo menos uma outra função cognitiva (linguagem, gnosias, praxias ou funções executivas) com intensidade suficiente para interferir no desempenho social ou profissional do indivíduo.

P – A memória é uma alteração sempre presente?
DR. PAULO CARAMELLI – O diagnóstico de demência exige a ocorrência do comprometimento da memória, embora essa função possa estar relativamente preservada nas fases iniciais de algumas formas de demência, como a demência frontotemporal.

P – Para se chegar a um diagnóstico sindrômico de demência o que mais devemos observar além do comprometimento da memória?
DR. PAULO CARAMELLI – O diagnóstico sindrômico depende de comprovação objetiva do prejuízo cognitivo e também do comprometimento funcional (do desempenho em atividades de vida diária).

P – Como o clínico pode num primeiro contato avaliar o funcionamento cognitivo do paciente?
DR. PAULO CARAMELLI – Com testes de rastreio, por exemplo, o miniexame do estado mental. Pode empregar testes breves, de fácil e rápida aplicação como os de memória (por exemplo, evocação tardia de listas de palavras ou de figuras), os de fluência verbal (por exemplo, número de animais em um minuto) e o desenho do relógio. Nos casos em que persistem dúvidas diagnósticas (como nos casos de demência leve ou incipiente), a avaliação neuropsicológica formal, administrada por profissional habilitado, é recomendada.

P – Como avaliar o desempenho do paciente em atividades de vida diária?
DR. PAULO CARAMELLI – As atividades instrumentais da vida diária (usar o telefone, cozinhar, administrar contas bancárias, por exemplo) são acometidas mais precocemente, razão pela qual num primeiro contato devem ser as primeiras avaliadas. As atividades consideradas básicas (higiene pessoal, por exemplo) também devem ser observadas. Usualmente elas ocorrem mais adiante, após o prejuízo das atividades instrumentais.

P – Quais as causas mais freqüentes de demência?
DR. PAULO CARAMELLI – Inúmeras são as causas, mas as mais freqüentes são: doença de Alzheimer (DA), demência vascular (DV), demência com corpos de Lewy (DCL) e demência frontotemporal (DFT).

P – Como se faz o diagnóstico das causas da demência?
DR. PAULO CARAMELLI – O diagnóstico etiológico se baseia em exames laboratoriais e de neuroimagem (fundamentais para o diagnóstico de DV), além da constatação de perfil neuropsicológico característico. Esse último aspecto é particularmente importante para o diagnóstico diferencial das demências degenerativas, grupo do qual fazem parte a DA, DCL e a DFT. Na DA, por exemplo, predominam as alterações de memória para fatos recentes, usualmente constituindo a primeira manifestação clínica da doença.

P – Quais os exames laboratoriais que podemos considerar indispensáveis?
DR. PAULO CARAMELLI – O hemograma, as provas de função tiroidiana, hepática e renal, as transaminases hepáticas, as reações sorológicas para sífilis e o nível sérico de vitamina B12. Esses exames permitem a identificação de diversas causas potencialmente reversíveis de demência, além de possibilitarem detecção de eventuais doenças associadas.

P – Quais os exames de neuroimagem são necessários?
DR. PAULO CARAMELLI – Exames de neuroimagem estrutural: tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio. Eles poderão revelar alterações vasculares sugestivas do diagnóstico de DV ou de DA com doença cerebrovascular e outras condições como tumores, hidrocefalia ou hematoma subdural crônico.

P – No caso das demências degenerativas, o que se esperar dos exames?
DR. PAULO CARAMELLI – Nas degenerativas (DA, DCL e DFT), os exames laboratoriais são normais e os de neuroimagem estrutural revelam atrofia cortical, que, embora constitua alteração inespecífica, pode eventualmente apresentar distribuição topográfica sugestiva (por exemplo, atrofia predominante de lobos frontais e de porções anteriores dos lobos temporais na DFT ou de estruturas temporais mesiais, especialmente da formação hipocampal, na DA). No entanto, o diagnóstico diferencial se baseia em grande parte na história clínica, bem como no perfil neuropsicológico.

P – Em relação à doença de Alzheimer as alterações degenerativas de partes do cérebro provocam que sintomas particulares?
DR. PAULO CARAMELLI – A distribuição do processo degenerativo no cérebro provoca alterações cognitivas e comportamentais, com preservação do funcionamento motor e sensorial até as fases mais avançadas da doença. O primeiro sintoma é usualmente o declínio da memória, sobretudo para fatos recentes, relacionado ao acometimento precoce e intenso da formação hipocampal. Também surge desorientação espacial. Convém lembrar que a DA é a causa mais freqüente de demência, responsável por mais de 50% dos casos na população idosa.

P – Com a evolução do quadro, que outros sintomas acometem o paciente?
DR. PAULO CARAMELLI – Alterações da linguagem (principalmente dificuldade para encontrar palavras ou anomia), déficits de planejamento e de habilidades visuais-espaciais.

P – A demência vascular (DV) é devida a vários quadros?
DR. PAULO CARAMELLI – Trata-se da segunda causa mais freqüente de demência e refere-se aos quadros causados pela presença de doença vascular cerebral. Os fatores de risco para a DV são os mesmos relacionados ao processo de aterogênese e doenças relacionadas: idade, hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias, tabagismo, doenças cérebro e cardiovasculares, entre outros.

P – Como se caracteriza a demência com corpos de Lewy (DCL)?
DR. PAULO CARAMELLI – É a segunda causa mais freqüente de demência degenerativa em idosos. Duas das seguintes manifestações são necessárias para o diagnóstico provável: (1) flutuação dos déficits cognitivos em questão de minutos ou horas; (2) alucinações visuais bem detalhadas, vívidas e recorrentes; (3) sintomas parkinsonianos, geralmente do tipo rígido-acinéticos, de distribuição simétrica. Os pacientes costumam também apresentar quedas ou síncopes, além de – freqüentemente - alterações de sono (transtorno comportamental do sono REM).

P – E quanto às demências frontotemporais (DFT)?
DR. PAULO CARAMELLI – Desse grupo de demência fazem parte a doença de Pick, a degeneração dos lobos frontais e a demência associada à doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica), além da chamada demência semântica. Nas DFT, a memória e as habilidades visuais-espaciais encontram-se relativamente preservadas, pelo menos nas fases iniciais. O quadro clínico revela alterações de personalidade e de comportamento, além de alterações de linguagem (redução da fluência verbal, estereotipias e ecolalia), de início insidioso e caráter progressivo. Na demência semântica, ocorre perda progressiva do reconhecimento do significado de palavras, objetos e conceitos (caracterizando prejuízo progressivo da memória semântica).

P – As alterações comportamentais podem induzir o médico a confundir com um quadro de depressão?
DR. PAULO CARAMELLI – Sim, à medida em que alguns casos de DFT podem se apresentar como isolamento social, apatia, perda de crítica, desinibição, impulsividade, irritabilidade e descuido da higiene pessoal.

P - Como foi que a vida lhe levou para a medicina e para a especialidade?
DR. PAULO CARAMELLI – Há muitos médicos na minha família: meu pai, meu irmão, um avô, meu único tio e meu único primo de 1º grau foram/são médicos, o que certamente teve grande influência sobre minha escolha. Em relação à opção pela Neurologia, eu a considero uma especialidade fascinante pela grande interface que tem, de um lado, com a Clínica Médica e, de outro, com a Psiquiatria, áreas que sempre me atraíram muito. Acho a Neurologia que foi uma forma de contemplar os meus diferentes interesses. Além disso, desde a faculdade eu fui atraído pela área das Neurociências Cognitivas, o que acabou me direcionando – já dentro da Neurologia – para a linha de pesquisa na qual trabalho.


P - Que mensagem daria a futuros e aos novos médicos?
DR. PAULO CARAMELLI – Não me considero em condições, e por isto não teria a ousadia, de dar conselhos a jovens ou a futuros colegas. Poderia apenas dar duas sugestões: que invistam muito e desde cedo em sua formação, e que, na medida do possível, busquem um campo de atuação dentro da Medicina em que trabalhem com prazer e no qual se sintam realizados tanto do ponto de vista intelectual quanto emocional. Embora a questão da remuneração seja fundamental e infelizmente o trabalho médico esteja passando por um momento de desvalorização, acho que quando o profissional se dedica e sente prazer pelo que faz, aumentam as chances de ser mais valorizado com o passar do tempo.

Fonte: Salton Courses

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