Arte de Saber Ouvir
Você sabe ouvir o seu filho, mulher, chefe, colega de trabalho ou amigo? A tarefa não é tão fácil quanto parece, porque ouvir é “deixar de lado a sua onipotência, não ter controle da situação, mas se despojar do próprio narcisismo. É preciso colocar a virtude da humildade no lugar da arrogância”. É assim que a escritora e psicanalista Ana Cecília Carvalho reconhece o ato de ouvir, “que não se aprende em nenhum manual de auto-ajuda, mas por meio de experiências pessoais”. Ela, por exemplo, passou por uma experiência enriquecedora com um velho amigo. “Ele me esperava chegar às reuniões sociais com muita expectativa e até com uma certa ansiedade. Quando eu aparecia, lá estava ele sentado, sozinho e quieto, e ia logo dizendo que era muito bom me ver, porque a partir daquele momento, ele poderia ficar em silêncio, sem dizer nada.”
Saber ouvir, segundo Ana Cecília, é aprender a ficar em silêncio. “É dar espaço para o outro falar o que quiser. E se não quiser, não dar importância, desde que um dos dois suporte bem o silêncio. Uma pessoa escuta melhor quando suporta não ter o que dizer”, explica.
Em um de seus artigos, o escritor Rubens Alves também reconhece que “não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa pára, por não ter o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa, para pôr um fim ao silêncio”. Em uma de suas obras, ele inclui um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. “Ali estamos, nós, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou para o chão? Nada temos para falar e esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Então, falamos sobre o tempo. Mas nós bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.”
Segundo ele, os orientais entendem melhor o silêncio. “Se não me engano, o nome do filme é Aconteceu em Tóquio, com duas velhinhas que se visitavam. Por horas, elas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam, porque no silêncio delas morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer. Mas porque o que tinham a dizer, não cabia em palavras”. E completa: “A filosofia ocidental é obcecada pela questão do ser, mas a oriental valoriza o vazio, o nada. É no vazio da jarra que se colocam flores”.
A profissão de psicanalista é baseada no ato de ouvir, mas fora do consultório, Ana Cecília não pode ficar escutando o inconsciente de todas as pessoas, em todos os lugares. “Embora seja possível, não posso fazer uma boa escuta, que tem a ver com o interesse de um indivíduo pelo outro. Não por curiosidade, mas por um interesse genuíno. Para escutar, tenho que calar os meus ruídos internos, para deixar o outro falar. E dar valor ao que está sendo dito.”
Apesar de reconhecer que o silêncio é significativo, não tem como fugir do equívoco. Tanto do silêncio quanto da fala: “Portanto, saiba bancar as conseqüências das suas palavras e também do seu silêncio”, diz.
No palco
A frase que o ator, diretor e roteirista de cinema Cláudio Costa Val, de 38 anos, mais ouve dos filhos adolescentes é “meu pai não me escuta”. Com 16 e 13 anos, Felipe e Pedro estão na fase de questionamentos, e o pai confessa que peca por não ter tempo suficiente para uma longa e boa conversa. “Na medida do possível, tento ouvir e conversar, mas reconheço que deveria ser com mais freqüência.”
Nas relações de amor também há muita cobrança. Casado e separado pela segunda vez, Cláudio reconhece que as companheiras também o criticam por não ouvir o que elas estão dizendo. “Sou um cara mais calado, o que não quer dizer que não estou escutando. Ouvir é diferente de escutar, da mesma forma que enxergar é diferente de ver. Tem pessoas que ouvem, mas não escutam. Outros, enxergam, mas não vêem, porque estão preocupados consigo mesmos.”
Com os casais acontece o mesmo: “Apesar de gostarem um do outro, não conseguem se fazer entender nem ouvir, o que vai minando o relacionamento, até provocar um afastamento real”. Cláudio acha que é mais fácil falar bobagens do que ficar em silêncio, mas reconhece que há um momento em que ele se cala. “É quando estou no processo de criação como agora, com a finalização de dois filmes, um no Rio e outro em BH, e desenvolvendo um roteiro para um curta-metragem. “Nessa fase, não quero conversar. Fico introspectivo.”
O grande ator, segundo ele, é o que escuta “o colega com o qual está contracenando. A maioria, porém, se preocupa mais em dizer o texto, em detrimento de ouvir o que o outro está falando. Arte é saber ouvir e sentir o outro em cena”.
Déa Januzzi
Fonte: Saúde Plena