Alterações da Orientação
Foi particularmente após as reflexões de Husserl e Heidegger que se passou a reconhecer a distinção entre os duas estruturas temporais, o tempo subjetivo e o tempo objetivo, correspondentes respectivamente ao tempo do eu e ao tempo do mundo. O primeiro equivale ao tempo interior ou verdadeiro, ou o tempo imanente das vivências, no dizer de Husserl e, o segundo, é o tempo cósmico ou cronométrico, o tempo da física, divisível e mensurável por meio de instrumentos.
Em sua análise da consciência do tempo, Husserl assinala que toda vivência real possui uma duração e se insere em um contínuo infinito, num horizonte de tempo inerente à corrente de vivências, e que se apresenta como forma de conexão das vivências entre si, na ordem temporal que inclui o antes, o agora, o depois, o simultâneo, o sucessivo, etc. Mais que isso, a consciência do tempo é um elemento unificador das vivências, em sua multiplicidade.
Para Husserl, o tempo imanente é algo desvinculado da realidade material e do tempo cósmico. Ele existe como um fluxo permanente, através do qual se integram e se escoam os momentos concretos que o constituem o passado, o presente e o futuro. Dessa forma, o tempo imanente é identificando com a constituição subjetiva da consciência, uma consciência interna do tempo que possibilita a síntese da existência (transcendental sucessão fenomenológica), isto é, a síntese unificadora e identificadora da consciência das vivências. Aquilo que na filosofia se chama tempo imanente, interior ou verdadeiro, em psicopatologia vamos chamar de vivência do tempo ou vivência temporal.
Segundo Jaspers o espaço e o tempo representam as qualidades essenciais na estrutura das vivências, tanto nas vivências normais como nas patológicas . Seria impossível a representação de qualquer vivência humana emancipada do espaço e/ou do tempo. Embora nas vivências interiores, principalmente naquelas destituídas de objeto (reflexão, sentimentos, etc), possa se abandonar a espacialidade, o tempo, porém, permanece sempre presente.
Segundo Jaspers ainda, o espaço e o tempo só seriam qualitativamente reais para nós quando ocupados por alguma coisa. Quando vazios, o espaço e o tempo possuiriam um traço comum de natureza quantitativa em termos de dimensões, continuidade ou infinitude e, ao serem preenchidos, se tornariam qualitativos. Assim sendo, como espaço e tempo só existem para a pessoa quando realmente preenchidos, surge o problema sobre o que se deve considerar, exatamente, como espaço e como tempo.
Ao estudar os problemas relacionados com a vivência do tempo, Jaspers aponta três considerações preliminares:
1. O saber sobre o tempo - Refere-se ao tempo objetivo e ao rendimento na avaliação correta ou falsa dos períodos de tempo e, além disso, à apreensão pessoal correta ou falsa da essência do tempo.2. A Vivência do tempo - A vivência subjetiva do tempo não é uma avaliação particular do tempo, senão uma consciência total do tempo, para a qual o modo de avaliar o tempo pode ser apenas uma característica entre as demais.3. Tratar o tempo - O homem deve tratar a situação básica da temporalidade da mesma maneira como se comporta para com o tempo na espera, no amadurecimento da decisão, a seguir na consciência biográfica total de seu passado e de toda a sua vida.
A Relatividade Têmporo-Espacial
Há dias muito agradáveis que nos deixam a impressão de terem transcorrido muito rápido, enquanto a mesma quantidade de tempo passada numa internação hospitalar pode alterar profundamente o sentido de duração. Também o tempo de expectativa de algum acontecimento bom sempre se nos parece excessivamente longo.
Também a espacialidade não se percebe simplesmente pela relação de proximidade ou de longitude físicas. Da primeira vez que percorremos um determinado trajeto, este nos parece sempre mais longo que das próximas vezes ou mais longo que o trajeto de volta. A mesma distância de um dado percurso nos parecera maior ou menor, conforme, estejamos empenhados percorrê-la com mais urgência ou mais despreocupadamente.
Os estudos sobre a consciência do tempo e do espaço, tiveram repercussões consideráveis na psicopatologia, onde possibilitaram a sistematização de suas alterações nas neuroses e psicoses. Dentre essas alterações destacamos, inicialmente, aquelas que concernem à dissociação ou dissincronia entre o tempo do ser e o tempo do mundo, alterações sobre a duração do tempo vivido, que ora se dilata, ora se comprime, lentificando ou acelerando o nosso devir subjetivo.
Nos estados depressivos e obsessivos, observamos mais uma lentificação, um retardamento ou inibição do acontecer temporal, ao contrario do que ocorre em certas crises de ansiedade, bem como nos casos de uso abusivo de drogas entorpecentes, do acido lisérgico ou substâncias afins.
Em esquizofrênicos podemos observar diversos tipos de alterações das vivências temporais, inclusive quanto à duração do vivido e incluindo o fenômeno chamado de dupla cronologia, a sensação verdadeira ao lado da sensação de falsa cronologia. Também ocorre, na esquizofrenia e nos estados de euforia do transtorno do humor, a perda da continuidade da consciência do tempo onde o paciente carece da noção de um curso temporal, motivo pelo qual o tempo lhe parece vazio, como se fosse constituído de uma sucessão de presentes desarticulados.
Em relação às alterações das vivências espaciais, as mais importantes são as que dizem respeito ao espaço natural orientado e ao espaço humoral. Quanto às primeiras, alterações do espaço natural orientado, são todas aquelas que implicam na quebra da relação do corpo com o seu ambiente imediato. Aqui se incluem as modificações de tamanho e forma, com que são percebidos os objetos no espaço visual, tais como as chamadas macropsias, micropsias, dismorfopsias, dismegalopsias. São fenômenos que podem ocorrer nos delírios toxi-infecciosos, nas psicoses esquizofrênicas, nas epilepsias (auras, estados crepusculares) e também nas intoxicações exógenas. Há uma tendência a interpretar como alterações das vivências do espaço natural também as agnosias ou falsos reconhecimentos, estudados nas alterações da percepção.
As alterações do espaço humoral, mais acima chamado de espaço intuitivo, podem ter algumas relações compreensíveis com certas fobias, e com conteúdos simbólicos, como é o caso, por exemplo, da vertigem das alturas, medo de ficar em recintos fechados, atravessar praças, etc. A vivência do espaço como realidade ameaçadora nos fóbicos traduz um estado afetivo ante o percebido. Vivência análoga pode ser sentida pelo esquizofrênico.
A Orientação
De regra, verifica-se a orientação autopsíquica e a orientação alopsíquicas, através da entrevista com o paciente. Pode-se dizer que o paciente está bem orientado quanto a noção do eu, quando fornece ele próprio dados de sua identificação pessoal, revelando saber quem é, como se chama, que idade tem, qual sua nacionalidade, profissão, estado civil, etc. Este atributo da consciência lúcida chama-se Orientação Autopsíquica.
Chama-se de Orientação Alopsíquica a orientação da pessoa em relação ao tempo e ao espaço. A orientação no tempo e no espaço depende estritamente da percepção, da memória e da contínuo processamento psíquico dos acontecimentos.
O estado global do psiquismo do paciente pode ser avaliado a partir de sua orientação alopsíquica e autopsíquica. A noção de espaço, de tempo, da própria personalidade e de suas relações com o ambiente, apesar de se constituir numa condição mental elementar, representa a síntese de vários atributos psíquicos isolados. Portanto, a orientação global da pessoa não representa uma função psíquica isolada, mas o reflexo de outras funções, como é o caso da sensopercepção, da atenção, da memória, dos conceitos, do juízo e do raciocínio. PatologiaExaminar a orientação, tanto a auto quanto a alopsíquica, estamos avaliando as noções do paciente sobre si mesmo, sobre seu estado atual e sobre suas relações com o restante do ambiente. Tendo em vista a complexidade funcional da orientação, como vimos acima, os quadros onde esta se encontra alterada da orientação não devem ser considerados como sintomas autônomos, senão como conseqüência de vários fatores psicopatológicos.
Na desorientação autopsíquica total, o indivíduo não sabe quem é. Normalmente esse desconhecimento da própria identidade se verifica nas amnésias totais traumáticas, nos estados de acentuada obnubilação da consciência ou na evolução extremas dos processos demenciais. Bem mais freqüente é a chamada falsa orientação autopsíquica. É a que acomete os enfermos delirantes, quando se auto atribuem uma nova identidade ou quando assimilam a personalidade de figuras fantasiosas de seus delírios.
Nos esquizofrênicos pode ocorrer ainda uma dupla orientação, isto é, uma orientação verdadeira ao lado de uma falsa. É o caso, por exemplo, do paciente que responde encontrar-se numa igreja, escola ou prisão, porque se delira acreditando incumbido de alta missão moral ou educativa, ou porque se supõe prisioneiro, seqüestrado, vítima da polícia, de associações secretas, de organizações políticas internacionais mas, ao mesmo tempo ou logo a seguir, mostra saber que se acha no hospital e que está diante do médico.
Os distúrbios da orientação podem manifestar-se de modo global ou atingir, preferentemente, apenas uma das facetas da orientação. É, por exemplo, o que acontece no delirium tremens, onde se observa conservada a orientação autopsíquica, junto com a mais completa desorientação alopsíquica (no tempo, no espaço e nas relações do enfermo com o ambiente). Em geral, nos doentes mentais, verifica-se que, em primeiro lugar, há perda da orientação no tempo, depois no espaço e, por último, em relação à própria pessoa.
Também pode ocorrer desorientação têmporo-espacial completa diante de extremo desinteres-se, como acontece em esquizofrênicos, ou dependente de insuficiente apreensão e fixação de estímulos sensoriais por desatenção e desinteresse nos depressivos mais graves (estupor depressivo). Pode ainda ocorrer ofuscação geral da consciência, logo, desorientação global, nos estados crepusculares epilépticos e histéricos, ou nas síndromes confusionais das psicoses tóxicas e infecciosas agudas.
Examinar a orientação, embora seja relativamente simples e acessível, pode ser considerada como a investigação da essência estrutural da consciência. Portanto, para bem avaliar suas perturbações, não basta nos limitarmos às perguntinhas costumeiras da rotina hospitalar mas sim, nos dedicarmos à uma entrevista mais completa, demorada e minuciosa.
Desde Kraepelin se consideram a multiplicidade de fatores na orientação da pessoa e se distinguem 3 tipos de desorientação, segundo a mesma estivessem na dependência de alterações da percepção, portanto, decorrente de alterações da vida instintivo-afetiva, alterações da memória, ligada ao bloqueio dos processos mnêmicos e, finalmente, conseqüente a alterações na formação dos juízos da realidade. A primeira pode ser chamada de desorientação apática, a segunda de desorientação mnêmica e a terceira de desorientação delirante ou amencial, conforme veremos adiante.
Desorientação Apática
Desorientação Amnéstica
Desorientação Amencial e Desorientação Delirante
Nas psicoses esquizofrênicas falamos em Desorientação Delirante, onde, apesar da completa lucidez da consciência, observa-se um tipo de desorientação resultado da adulteração da situação no tempo e no espaço. Nesses casos, é muito freqüente observar também uma dupla orientação, a delirante ao lado da orientação normal, como dissemos acima. De sorte que os pacientes possam estar orientados no tempo e no espaço mas, por outro lado, podem acreditam que se encontram numa prisão ou no inferno.
Desdobramento da Personalidade
Despersonalização
Nessa situação o paciente assiste inerte ao desenrolar de sua vida psíquica, como se aquilo não estivesse relacionado com sua pessoa. Concomitantemente ele conserva um incrível estado de apatia.
Estados Patológicos
Nessas alterações da consciência seguidas de desorientação a pessoa não tem capacidade para identificar os objetos que lhe apresentamos ou erra quando tenta identificá-los. Normalmente ele não sabe dizer sua idade, a data, mês e ano, confunde as diferentes períodos do dia e não se recorda do que fez no dia anterior. Há confusão entre os planos da realidade objetiva e o mundo subjetivo.Delirium tremens No Delirium Tremens, o paciente apresenta uma falsa orientação em relação ao tempo e ao espaço, mas normalmente se mantém bem orientado quanto à própria pessoa. Apesar do delirante tremens ser altamente sugestionável a respeito da situação, local onde se encontra, de objetos imaginários, de linhas, animais, etc., não é possível sugestioná-lo quanto a sua identidade. A desorientação alopsíquica, no delirium tremens, é uma conseqüência de falsas percepções, de alucinações e vivências oníricas ligadas à obnubilação a consciência, o que determina a fabulação delirante.
Sindrome de Korsakov e Psicoses orgânicas
Nas Psicoses Orgânicas os pacientes vão perdendo progressivamente a orientação alopsíquica. No início da doença, principalmente nos quadros aterosclerótidos, ocorre desorientação apenas durante a noite e por breves espaços de tempo. Mais tarde eles se desorientam também durante o dia.
À medida que a demência se vai se agravando, há perda completa da orientação no tempo e no espaço, chegando, nos casos mais graves a perda também da orientação autopsíquica. É neste ponto que falamos em desorientação amnéstica, caracterizada pela incapacidade do doente de saber a data de sua internação, o dia, o mês e o ano em que se encontra. Portanto, a chamada desorientação amnéstica é própria dos dementes senis, nos quais resulta de alteração profunda de fixação, de perturbações da compreensão e do raciocínio.
Esquizofrenia
Os esquizofrênicos hebefrênicos costumam demonstrar certa desorientação em relação ao pessoal à sua volta e ao meio hospitalar, porém, podem estar melhor orientados no tempo e no espaço. Já os esquizofrênicos paranóides costumam ter boa orientação no tempo e no espaço, mas estão desorientados em relação à própria situação. Em alguns casos, observa-se a chamada dupla orientação, comentada acima, percebendo uma orientação de caráter delirante ao lado da orientação correta. De qualquer forma, todos os tipos de esquizofrenia são acompanhados de prejuízo na consciência da própria situação de morbidade.
Transtornos do Humor
A pessoa psiquicamente normal deve, além de identificar-se, ter noção de sua situação a qualquer momento, deve saber perfeitamente onde se encontra, o dia, o mês e o ano atuais e qual a sua situação em relação ao ambiente. A consciência humana deve ser plena e absolutamente lúcida para que se estabeleçam ligações eficientes entre o momento presente e o passado, estabelecendo-se a noção exata do tempo ou da época em que nos encontramos.
para referir: